Os desafios da governança pública
O valor público, segundo Moore(1), vem da interação com o cidadão na construção de serviços de qualidade e quando a instituição pública cumpre o seu papel orquestrando com o cidadão sobre o que deve ser entregue, para quem, quando, onde, por que, como e o quanto e a que custo.
por Joel Solon Farias Azevedo, diretor da ProValore
O desafio da ativação do controle social
O Tribunal de Contas da União define no seu Referencial Básico de Governança(2), a prática relativa ao relacionamento com partes interessadas da organização pública:
Promover a participação social, com envolvimento dos usuários, da sociedade e das demais partes interessadas na governança da organização.
Ocorre que a participação e o envolvimento da sociedade com o controle social ainda são muito recentes e muito precários.
Eles são resultados da garantia de direitos pós redemocratização, combinada com a necessidade da organização pública (burocrática, lenta, cara e ineficaz) de aumentar a sua efetividade.
As duas barreiras do controle social
Assim, temos não apenas a barreira do controle social resultante da cultura não participativa do brasileiro, que reclama seus direitos, mas não assume o seu dever no papel de coadjuvante com a melhoria do serviço público.
Na outra ponta temos também a barreira do acesso às informações públicas e uma luta constante pela transparência das ações públicas.
Da experiência de países e povos mais democráticos percebemos que a participação do cidadão ativa o controle social fundamental para o exercício da cidadania, com a consequente melhoria na qualidade dos serviços públicos.
A atuação do TCU na ativação do controle social
É fato que o TCU vem cumprindo o seu papel na regulação da governança pública em quatro frentes: a governança pública e as frentes derivadas de governança da gestão de pessoas, governança da gestão de TI e governança de aquisições.
Do lado da organização e seus intervenientes, o dilema é:
– Como integrar as mais diversas partes interessadas no seu negócio, se os intervenientes nunca participaram de nada parecido?
– Se não estão acostumados com a experiência democrática necessária à governança?
– E se não são convidados, como fazer para garantir o direito de participação?
– Como garantir a participação do cliente final, o cidadão usuário dos serviços, nos diversos conselhos e comitês de governança? E a quem ele reclama quando não isto não for possível?
O controle social e a administração gerencial
Agora vejamos tudo isto sob o ponto de vista da administração gerencial e do pressuposto da necessidade do envolvimento direto do usuário dos produtos e serviços na sua definição e evolução. Ou pelo menos o direito de ser ouvido e respeitado. Decididamente, não são questões simples.
Aprofundando ainda mais ainda no dilema gerencial da organização pública, vemos que ela precisa: integrar os seus públicos; se desburocratizar; melhorar a qualidade dos seus serviços; ser mais eficiente em termos de resultados; e ainda fazer isto a custos menores.
As organizações estão reagindo à ação do TCU, é verdade, mas ainda numa multiplicação de esforços desconectados e com baixa sinergia e, claro, baixos resultados.
O problema está na precariedade dos mecanismos de governança, que não definem diretrizes e regras e nem determinam responsabilidade e autoridade para as ações, resultando em iniciativas isoladas, algo como cada um atirando para cada lado.
A conexão entre governança e gestão de processos
Organizações são estruturadas na forma de conjuntos de processos que, interligados, usam recursos e conhecimento para gerar e entregar valor aos seus públicos.
A organização pública, mais estável e sem concorrência, pode gerir sua evolução com menos disrupção e, portanto, numa lógica de transformação de processos e não de desconstrução ou reengenharia por meios de projetos, para poder sobreviver.
Para a organização pública, a gestão por processos é sem dúvida o melhor modelo.
A governança e o escritório de processos
O escritório de processos funciona como a estrutura funcional responsável pela nova maneira de pensar a organização e gerir a operação e a melhoria, ao mesmo tempo.
Para isto, o escritório de processos precisa, segundo o CBOK(3):
– Definir metodologias e ferramentas para a gestão de processos e trabalhar para disseminar a cultura em toda a organização;
– Garantir a captura, o registro, a guarda e a disseminação do conhecimento sobre os processos na organização para todos os seus públicos, internos e externos;
– Capacitar e treinar todos os seus públicos, inclusive externos, na utilização dos processos;
– Proporcionar a governança no desenho global de processos;
– Integrar cadeia de valor, macroprocessos e processos de negócio em nível corporativo;
– Criar e manter um repositório de processos;
– Executar direta e indiretamente e apoiar as iniciativas de transformação de processos visando adequá-los as expectativas de todos os seus públicos;
– Fomentar a inovação e as mudanças de paradigma na organização.
A conexão entre o escritório de processos e o escritório de projetos
Os produtos do escritório de processos são a entrada do escritório de projetos.
Existe uma linha tênue entre o que é uma melhoria e o que é um projeto. A melhoria deve ser gerida no nível e na autoridade do processo, a partir do seu gerenciamento e do PDCA.
O projeto não. Projeto é intervenção, preferencialmente executado com gente de fora e temporária. O mais rápido possível. Seu resultado é a ruptura nos processos, passando a fazer as coisas de um jeito novo e eliminando a forma antiga de fazer as coisas.
A integração entre a governança e os escritórios de processos e de projetos
A efetividade virá da integração entre a governança e os dois escritórios, com a gestão dos recursos e do conhecimento nos processos tendo como saída a avaliação do desempenho indicando precisamente a necessidade de intervenção.
A decisão de repriorização de portfólios de processos e de projetos pela governança
A ativação da governança em alto nível em um comitê gestor/conselho de administração orienta as decisões de alinhamento, atualização e inovação por meio da repriorização dos portfólios de processos e de projetos na Reunião de Avaliação da Estratégia.
A governança de alto nível exige:
– O uso de indicadores adequados de avaliação dos processos com base no valor requerido pelos diversos intervenientes e usuários dos produtos e serviços públicos;
– O uso de critérios de priorização de intervenção também adequados e capazes de filtrar as propostas de projetos mais viáveis e suficientes e aderentes à estratégia para sustentar a inovação.
A imagem abaixo representa esta integração, que como sabemos, tende a não acontecer quando a governança não funciona.
Veja os artigos anteriores da série
No primeiro artigo da série – Governança pública – dicas de sucesso – falamos da necessidade de se ter um calendário anual de governança que privilegie o pensamento estratégico integrado em detrimento da lógica orçamentária inercial e continuista, tão precária.
No segundo artigo da série – Governança pública – saiba a diferença entre governança e gestão – apontamos item a item as diferentes responsabilidades: da governança com o direcionamento estratégico e monitoramento dos resultados, e da gestão com a execução da estratégia definida e negociada.
No terceiro artigo da série – Dez práticas de sucesso na governança da gestão de pessoas – apontamos os diferenciadores da gestão do conhecimento da organização, que está nas pessoas que a compõem, e a necessidade de alinhamento do desenvolvimento do conhecimento com a estratégia e os objetivos da organização.
No quarto artigo da série – A governança e a gestão ativa dos riscos como oportunidades – tratamos do gerenciamento de risco como a permanente análise de cenários visando aproveitar ao máximo as oportunidades trazidas pelo ambiente externo.
No quinto artigo da série – Planejamento da força de trabalho – tratamos do planejamento e otimização da força de trabalho, o mais crítico de todos os recursos: a alocação ótima das pessoas e da sua inteligência e conhecimento às atividades desempenhadas pelas organizações.
No sexto artigo da série – A política de gestão de riscos do Tribunal de Contas da União – tratamos da adoção pelo TCU de uma política de gestão de riscos simples e efetiva e alinhada com as melhores práticas de auditoria mundiais, fazendo referência explicita ao tratamento das incertezas e aproveitamento das oportunidades.
No sétimo artigo da série – TCU – Resultados do Levantamento Integrado de Governança Organizacional Pública – ciclo 2017 – tratamos da avaliação do método e dos resultados do primeiro levantamento integrado de todas as governanças, realizado pelo TCU.
No oitavo artigo da série – TCU – Referencial básico de gestão de riscos – tratamos da adoção pelo Tribunal de Contas da União de um Referencial Básico de Gestão de Riscos – que privilegia a gestão dos riscos estratégicos e sobre os resultados sobre os riscos operacionais.
No nono artigo da série – Gestão estratégica de riscos: 5 dicas de sucesso – falamos do processo de gerenciamento de riscos na abordagem do COSO – estratégicos, operacionais de comunicação e riscos sobre os resultados medidos nos processos.
Bibliografia
1 Criando Valor Público: gestão estratégica no governo. Mark H. Moore, 1995
2 TCU, Referencial Básico de Governança, 2ª Versão, 2014
3 BPM CBOK V 3.0 Português – Guia para o Gerenciamento de Processos de Negócio – Corpo Comum de Conhecimento, 2013
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