Qual é o foco da organização?
Precisamos fazer uma diferenciação mínima sobre o que é o Foco NO Cliente e o Foco DO Cliente.
por Gart Capote no LinkedIn
O Foco NO Cliente
Quando se fala em ter o foco no cliente, estamos diante de organizações que ainda focam ou tratam exclusivamente de questões organizacionais importantes com base na perspectiva interna sobre os clientes da empresa. É o que costumamos chamar de foco de dentro para fora (inside-out).
Ao considerar o que temos e fazemos dentro da organização, mais as metas dos silos organizacionais, mais a visão estratégica tradicional, somamos tudo isso e alcançamos o resultado estratégico de precisar “fazer de tudo para empurrar produtos e serviços para um mercado que, empaticamente, pouco conhecemos”. É o foco exagerado no produto, no serviço e nos processos, tudo orientando a percepção de capacidade e a ambição organizacional. Ou seja, o cliente é um alvo, uma meta, e não uma razão, um propósito.
Uma das grandes evidências do negativo distanciamento humano que o foco no cliente promove está nos indicadores criados e monitorados. Posso dizer que, nestas organizações com a visão de dentro para fora, quase sempre encontraremos indicadores conectados aos resultados dos processos, volume de vendas, desperdícios, qualidade operacional, defeitos e alguns indicadores sobre a participação da organização no mercado (market share, share of wallet e outros).
Com o recente burburinho sobre a antiga e poderosa estrutura de OKR para definição de ambições e métricas (Objectives and Key Results – Objetivos e Resultados-chave), mesmo nessas organizações, ainda vemos a anomalia acontecer, afinal, mudou- se a sigla e a ambição, mas continuamos a deixar de lado a perspectiva do cliente. Não estou culpando OKR, pois o que faltou – realmente – foi promover a atualização da perspectiva organizacional e criar melhores OKRs.
OKRs funcionais e isolados são menos poderosos que OKRs intencionais e que consideram a perspectiva do cliente. Simples assim.
Considerando tudo isso, percebemos que o foco das organizações com “o foco no cliente” está mais direcionado aos trabalhos necessários para produzir e entregar as “coisas” que a organização se propõe a oferecer (produtos ou serviços). Quem tem foco no cliente, normalmente, não diferencia clientes por tipo, ou os diferencia de maneira bastante superficial e quase “rudimentar” — pouco sofisticada.
Ter o foco no cliente é um lugar-comum atual de boa parte das organizações, quiçá, da maioria. Em minha humilde opinião, dizer que a empresa tem o foco no cliente se tornou um jargão “modernoso”, bastante equivocado e que evidencia o quanto se desconhece o assunto.
Para mim, ouvir isso serve como um rápido diagnóstico de problemas fundamentais na mensagem e no mensageiro.
O Foco DO Cliente
As experiências dos clientes precisam ser os processos organizacionais mais importantes. Simples assim. Tudo o que é feito na organização precisa estar “conectado” à real capacidade organizacional de entregar as melhores experiências possíveis para os clientes e em cada ponto de contato. Uma organização que adota o foco do cliente entende as dores, as necessidades e os desejos de seus diferentes tipos de clientes.
A organização que considera o foco do cliente, no mínimo, mantém refinada a sua compreensão sobre clientes, indo além de público-alvo, nichos e dados demográficos. Ela evolui no entendimento quase que a nível individual (personas), sempre buscando gerar empatia para a melhor compreensão do motivo de sua existência e para quem trabalha. Dessa forma, a organização procura cada vez mais alcançar a percepção de valor do cliente em cada momento que ele interage com a organização, seus produtos e serviços — os momentos da verdade.
Sei que nessa breve explicação sobre foco no/do cliente deixei alguns conceitos sem explicação detalhada (momentos da verdade, jornada, experiência, Personas, ponto de contato, nicho e público-alvo). Faremos isso com calma e bastante objetividade mais adiante no livro, principalmente ao longo do capítulo dedicado para a explicação do método.
Alguns pontos que merecem reforço
1- O Foco DO Cliente NÃO é apenas “ir para o fim da fila”.
Isso é uma simplificação um tanto quanto exagerada e que desvaloriza todo o conhecimento necessário para produzir boas experiências. Tornar um conceito palatável e o transmitir de forma lúdica é uma coisa. Outra coisa é simplificar ao extremo por não conhecer exatamente o que está sendo dito. Leia outros livros de autores que fazem Outside-in ou jornadas e perceba o quanto do que eles dizem há muito tempo ainda está presente nas abordagens mais atuais. Cite cada um deles e suas colaborações diretas e indiretas. Não criamos nada sozinho.
2- Outside-in, Foco DO Cliente, Jornadas de Experiência do Cliente e muitos outros elementos, métodos e conceitos não são a origem de BPM, mas são referenciados desde 2010 em sua concepção e evolução para uma maior abrangência.
BPM nunca se “apropriou” dessas abordagens, apenas as referencia e orienta para que os profissionais busquem se especializar nos conhecimentos que necessitarem/desejarem. Hoje em dia, cada novo discurso que surge na internet falando sobre o futuro, invariavelmente, “ressignifica” conceitos, práticas e métodos e se apropria destes, apenas dando um novo nome “modernoso” e disruptivo. Isso é péssimo para a maturidade organizacional e profissional em qualquer ambiente.
3- Outro dia encontrei mais um desses absurdos na web. Nesse, tentavam separar definitivamente o que é melhoria e o que é transformação.
No pueril material dizia-se que BPM é apenas sobre melhoria e que isso não faz mais sentido nos dias de hoje, pois não há transformação. É para ficar doido lendo essas coisas. Primeiro: onde foi que ele aprendeu isso?
Em BPM, desde sempre, tratamos de automatização de processos (1) – chamados de processos digitais hoje em dia, adição de regras de negócio com tomada de decisão sem intervenção humana (2), monitoramento em tempo real de execução de atividades (3), distribuição automatizada de tarefas por disponibilidade de recursos e habilidades disponíveis (4), alertas dinâmicos com poder de redefinição de fluxo dos processos (5) e muitas outras “funcionalidades” que os sistemas BPMS nos fornecem há muitos anos. Se isso tudo não viabiliza a chamada transformação digital, não sei o que vai viabilizar. BPMS, além de muitas coisas, é um grande integrador de tecnologias existentes e novas (APIs, protocolos, webservices etc.). Com eles conseguimos compor soluções e abordagens mais interessantes para o negócio e em consonância com o Foco DO Cliente.
4- A maior transformação que você pode entregar para qualquer cliente é: fazer o que é importante, necessário ou desejado por ele.
BPM, abordagens Outside-in, foco do cliente, Canvas, Design Thinking e as dezenas de outras, existem e servem exatamente para isso.
Só conseguiremos adotar o foco do cliente quando, no mínimo, conhecermos o cliente (1), entendermos o que ele realmente objetiva (2), projetarmos como podemos ajudar a entregar tal experiência (3), testarmos as ideias (4), avaliarmos nossas capacidades atuais (5) e projetarmos as melhorias futuras nos processos (6). Identificar a emoção gerada em cada interação dos clientes com os produtos e serviços da organização (7) é um desafio grandioso, pois precisaremos proporcioná-las (8) em cada momento da verdade (9) e em cada ponto de contato (10).
São peças essenciais que ajudam a entender e montar esse grande puzzle que é o ambiente de negócios do século XXI, e não traz apenas a quarta revolução industrial, mas já inicia com a certeza da chamada “Era da Experiência do Cliente”. Sim, parece difícil e é complexo. Não é um esforço de um dia, mas é viável. Para ajudar no processo de criação e entrega, devemos e podemos nos valer de abordagens modernas para realização de projetos com construção e entregas mais iterativas e interativas. É muito bom perceber que o universo da experiência do cliente cada vez ocupa mais espaço nas “manchetes” profissionais, fóruns, grupos etc.
Lembro muito bem do dia que ouvi duas frases marcantes na minha estrada profissional. Em 2006, na varanda de uma bela padaria de São Paulo, ouvi de dois grandes amigos e também colegas de trabalho:
“Esse negócio de BPM não vai mais adiante. Não perca o seu tempo. É melhor você continuar como gerente de projetos de software mesmo.”
Em 2009, ao ministrar uma aula na qual apresentava e explicava os principais conceitos e técnicas de Outside-in e foco DO cliente, ouvi de um dos profissionais de gestão que assistia à aula:
“Esse negócio de foco DO cliente não vai adiante. Isso não tem força nas empresas. Esqueça e fique apenas com BPM.”
Acredito que sempre é importante ouvir e ponderar opiniões de pessoas consideradas como “habilitadas” para falar do tema. Porém, também é igualmente necessário ter um saudável desprezo pela estranheza inicial que as ideias podem causar nos outros e, por isso, talvez seja mais interessante não acatar o feedback por completo, mas apenas ajustar a cadência e a ousadia com a qual evoluiremos em determinados temas e ambições.
Nem sempre é o momento mais adequado, mas, pensando bem, quando é mesmo o momento mais adequado?
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