O mal que a burocracia faz para o Brasil
O impacto da burocracia no desenvolvimento econômico e na competitividade brasileira nunca foi tão grande.
Um modelo de gestão do passado e para o passado
A cada ciclo econômico e político corresponde um modelo de gestão. O modelo patrimonialista no qual a coisa pública se confundia com os interesses e posses privadas dos governantes não tinha mais espaço, pois era contrário à ideia de República – cuidar da coisa pública, do interesse público.
Desta necessidade nasce a Burocracia, em função da necessidade de organização do trabalho e com base no pensamento racional característico do final do século XIX e início do século XX, portanto totalmente alinhada ao modelo de gestão daquela época, a administração científica de Taylor aplicada por Ford.
Max Weber a definiu como: “a forma mais racional de exercício de dominação, porque nela se alcança tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor, confiabilidade, intensidade, extensibilidade dos serviços e aplicabilidade formalmente universal a todas espécies de tarefas”.
Ela foi desenvolvida lá atrás e pensada para ser um tipo ideal de sistema, que hoje se transformou em um grande problema que traz mais desvantagens do que vantagens, independentemente da natureza das organizações, públicas ou privadas, se visam lucro ou não.
Por Joel Solon Farias Azevedo
Fundador da ProValore
Falando por números, a partir dos rankings de eficiência e competitividade
No Índice Mundial de Competitividade 2024, do IMD – International Institute for Management Development, o Brasil só ficou à frente de Peru, Nigéria, Gana, Argentina e Venezuela; pelo critérios, pior avaliação do país foi em Eficiência Governamental.
O Brasil vem caindo na avaliação do ranking, passando do 56º posto em 2020 para o 57º lugar no ano seguinte, para 59ª posição em 2022 e para a 60ª no ano passado. Pelo ranking, em 2024, o país só ficou à frente de Peru, Nigéria, Gana, Argentina e Venezuela.
As disfunções da burocracia, velhas conhecidas há mais de 50 anos
Logo depois da popularização da burocracia lá pelos anos 40, Robert K. Merton apontou rapidamente as suas disfunções:
1. Internalização das regras e apego aos regulamentos – As normas e regulamentos se transforma rapidamente de meios em objetivos. Passam a ser absolutos e prioritários. Os regulamentos, de meios, passam a ser os principais objetivos da burocracia.
2. Excesso de formalismo e de papelório – A necessidade de documentar e de formalizar todas as comunicações dentro da burocracia a fim de que possa ser devidamente testemunhado por escrito conduz à tendência ao excesso de formalismo, de documentação e de papelório. E assim as pessoas passam a conversar por escrito e ninguém mais se entende.
3. Resistência às mudanças– Como tudo dentro da burocracia é rotinizado, padronizado, previsto com antecipação, o funcionário geralmente se acostuma a uma completa estabilidade e repetição daquilo que faz, o que passa a lhe proporcionar uma completa segurança a respeito de seu futuro na burocracia.
4. Despersonalização do relacionamento – A burocracia tem como uma de suas características a impessoalidade no relacionamento entre as pessoas. Daí o seu caráter impessoal, pois ela enfatiza os cargos e não as pessoas que os ocupam. Isto leva a uma diminuição das relações personalizadas entre os membros da organização.
5. Categorização como base do processo decisório – A burocracia se assenta em uma rígida hierarquização da autoridade. Portanto, quem toma decisões em qualquer situação será aquele que possui a mais elevada categoria hierárquica, independentemente do seu conhecimento sobre o assunto. E os níveis inferiores se eximem da sua responsabilidade, naturalmente.
6. Superconformidade às rotinas e aos procedimentos – Com o tempo, as regras e rotinas tornam-se sagradas para as pessoas. O impacto dessas exigências burocráticas sobre a pessoa provoca profunda limitação em sua liberdade, espontaneidade, criatividade e capacidade de inovação e de reação. E junto com a organização tornam-se obsoletas rapidamente.
7. Exibição de sinais de autoridade – Surge a tendência à utilização intensa de símbolos de status para demonstrar a posição hierárquica dos funcionários, como uniforme, tamanho da mesa, tamanho da sala, andar mais alto, antessala, secretária, etc.
8. Dificuldade no atendimento a clientes e conflitos com o público – O funcionário está voltado para dentro da organização. Esta atuação invertida e voltada para dentro da organização o leva a criar conflitos com os clientes da organização. Todos os clientes são atendidos de forma padronizada, de acordo com regulamentos e rotinas internos. Isto faz com que o público se irrite com a pouca atenção e descaso para com o atendimento das suas expectativas e necessidades.
A burocracia e o custo Brasil
Não é possível estimar o peso da burocracia no custo Brasil e na limitação do nosso desenvolvimento, embora saibamos que é muito grande.
Outro ponto bem conhecido é que a partir da globalização, o capital bom passa a escolher onde operar com base nos seus critérios, justamente os ranking internacionais de competitividade e facilidade para fazer negócios. E, claro, evita os países onde sabe que terá mais problemas.
A consequência é o afastamento do capital externo justamente num dos países com mais potencial, mais recursos disponíveis e com um dos maiores mercados do mundo. Um enorme paradoxo.
O dilema entre a criação, a manutenção e a destruição de valor
A economia é baseada em valor, pagamos por valor. Compramos e vendemos valor e não produtos ou serviços. E historicamente exportamos baixo valor e importamos alto valor.
Alguns itens especiais nos rankings de competitividade chamam a atenção, como a abertura de empresa, pagamento de impostos, execução de contratos e a resolução da insolvência. Talvez sejam estes os que mais afastam o capital e o conhecimento de que tanto precisamos.
Um exemplo de não preservação de valor está na imagem dos aviões lá em cima: como o Judiciário é muito lento, as questões não se resolvem a tempo de sequer preservar o valor envolvido. Um indicador bem nosso de destruição de valor que não vimos fora do Brasil são restos de aviões abandonados, apodrecidos e imprestáveis nos pátios de aeroportos.
Eles representam bem a incapacidade do estado e das pessoas de resolverem seus maiores conflitos a tempo de preservar o valor envolvido. E quando o estado falha tudo vira sucata. Inclusive o nosso futuro.
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