A curiosa ‘lei’ que explica por que reuniões inúteis e burocracia dominam as organizações
“O trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para a sua realização”.
Foi o que o historiador naval e escritor britânico Cyril Northcote Parkinson (1909-1993) escreveu em um artigo bem-humorado e paradoxal para a revista The Economist em 1955, sem imaginar que este princípio seria citado inúmeras vezes por pessoas frustradas no mundo todo.
Mas por que esse artigo repercutiu – e continua repercutindo tanto?
Na opinião de Phil Coggan, colunista de gestão e trabalho na The Economist, porque “captura algo que você pode reconhecer instantaneamente como verdade”, diz ele.
“Adiamos as coisas e tentamos prolongar as tarefas se não temos mais nada para fazer no dia.”
A teoria ficou conhecida como “Lei de Parkinson” e, assim como a “Lei de Boyle” explica como o gás se propaga até ocupar um espaço, ela fala sobre como o trabalho se expande para preencher o tempo.
Segundo o próprio criador, “é uma lei fundamental da burocracia”.
“É uma lei da natureza, claro: não a inventei, eu a descobri. E tem uma série de corolários importantes”, dizia.
E isso é, na opinião de Coggan, o mais interessante do artigo.
Já reparou que se você tem duas horas para realizar uma tarefa, você a termina, mas se tem cinco, leva esse tempo todo?
Muitos para fazer pouco
Após os dois parágrafos que explicam a ideia básica de que prolongamos nossa tarefa para preencher o tempo disponível, “a maior parte (do texto) é sobre burocracia e como os funcionários gostam de nomear outros funcionários para trabalhar para eles”.
O trabalho gera trabalho — e para fazer frente a esse novo trabalho, você emprega subordinados, o que gera mais trabalho …
No final, o trabalho está infestado de empregados encarregados de fazer o trabalho, que na realidade não estão fazendo nenhum trabalho.
As pirâmides das organizações passam a gerar camadas que não têm outro propósito a não ser introduzir hierarquias, que ajudam a promover os funcionários para agradá-los e mantê-los motivados
É burocracia sem criatividade
Coggan admira a observação sucinta de Parkinson sobre como a mão de obra adicional excede em muito a demanda.
“Ele tem uma explicação maravilhosa para por que isso acontece: você não emprega um único subordinado porque ele pode se tornar seu rival, então você nomeia dois ou três, para que compitam entre si e não com você.”
“Em seguida, você passa muito tempo dando instruções a eles sobre o trabalho que devem fazer, e revisando o mesmo depois de concluído.”
“Fui funcionário público por um breve período antes de ser jornalista, e o que acontecia era que você escrevia um memorando que era passado para o nível seguinte e depois para um nível acima, e por fim para outros três superiores.”
“No final, se produzia algo que quase não tinha relação com o original. Mas isso gerava emprego para muita gente e justificava seus cargos e salários mais altos.”
“Essa é a maneira maravilhosa como Parkinson explicou por que a burocracia tende a se multiplicar.”
Vamos fazer uma reunião?
Parkinson era um historiador naval, mas seu resumo sucinto e bem-humorado do comportamento humano fez dele um famoso comentarista sobre estruturas organizacionais, e ele fez carreira como palestrante corporativo.
E embora estejamos falando sobre estruturas que cresceram com relações internas cada vez mais complicadas há 70 anos, muitos argumentam que hoje em dia esses problemas ainda existem: que muitos locais de trabalho permanecem como um organismo vivo que cresce e se reproduz.
“Algo semelhante acontece hoje, é claro, com as reuniões”, afirma Coggan.
“Quando comecei a ser colunista, criei uma lei que diz que 80% do tempo de 80% das pessoas em reuniões é desperdiçado e acho que é uma regra bastante geral.”
“A maioria dos participantes das reuniões está lá, de braços cruzados ou olhando para seus telefones, esperando que a reunião acabe.”
Uma regra que talvez deveria existir é que não poderia ser convocada outra reunião até que se comprove que algo tangível ocorreu desde a reunião anterior.
“Mas provavelmente ainda convocariam uma pré-reunião para discutir o que será discutido na próxima reunião!”
O coeficiente de ineficiência
Como tantos outros, o físico matemático Peter Klimek também não gosta de perder tempo em reuniões.
Ele é membro do Centro de Ciências da Complexidade de Viena e, entre outras realizações, foi o primeiro a demonstrar matematicamente que os governos estão destinados a se tornar ineficazes com o tempo.
Mas, alguns anos atrás, depois que seu empregador, a Universidade Médica de Viena, fez uma reestruturação, ele descobriu que o tempo que precisava dedicar a comitês e outras tarefas administrativas quintuplicou.
“Passamos de um grupo de entre cinco e 10 pessoas a ser um departamento de 80, e pensamos que seríamos mais produtivos. Mas aconteceu o contrário: estávamos cada vez mais sobrecarregados com o trabalho burocrático, que é o que queríamos evitar.”
“Por sermos pesquisadores, ficamos curiosos.”
Por acaso, ele havia lido um livro de Parkinson e decidiu transformar a lei e alguns de seus corolários em um modelo matemático que pudesse ser testado, em particular algo que chamou de “coeficiente de ineficiência”.
E depois de analisar gabinetes em todo o mundo, ele concluiu que 20 era o número mágico, a quantidade de membros que separava os órgãos eficientes dos não eficientes na tomada de decisões.
A equipe de Klimek, usando um modelo baseado em redes de fluxo de informações, confirmou a descoberta.
O modelo matemático tem servido para evitar o crescimento inútil da burocracia e recomendar, com respaldo na ciência, que “se você tem uma decisão importante a tomar, não inclua muita gente”.
Burocracia na pandemia
Mas será que a Lei de Parkinson ainda é válida nesta época, quando muita gente está trabalhando de casa?
Coggan argumenta que, antes da pandemia de covid-19, grande parte do nosso comportamento era motivado pelo fato de que em qualquer organização havia um chefe observando.
Tem gente que aproveita o home office para não ter que fingir que está ocupada
“Sabemos que temos de mostrar ao nosso chefe que estamos ocupados, por isso desenvolvemos estratégias ao longo dos anos — como consultar documentos, dar telefonemas, etc. — para preencher o tempo.”
“Mas na quarentena deixamos de ser observados diretamente pelo chefe, e acho que isso dividiu as pessoas em dois grupos.”
“Os malandros podem ser eficientes e fazer as coisas o mais rápido possível, para que o resto do tempo seja de puro ócio, sem ter que fingir que estão trabalhando.”
“Para eles, a lei agora é: ‘o trabalho se encolhe para preencher o menor tempo necessário’.”
“Mas há outro grupo, que chamo de ‘stakhanovistas’ (pessoas da ex-União Soviética que eram excepcionalmente trabalhadoras e produtivas), que estão ansiosos porque temem que pareça que estão vagabundeando em casa.”
“Para eles, as barreiras entre o escritório e a casa foram dissolvidas, de maneira que trabalham ainda mais do que antes.”
“Para eles, ‘o trabalho se expande para preencher todas as horas’.”
Zooooom
Enquanto isso, os chefes precisam encontrar maneiras de serem notados.
Chefes perderam seu público com trabalho remoto
“Os gestores também precisam provar seu valor. Quando você está em um escritório convencional, eles circulam, vão até você, conversam e assim por diante. É mais difícil fazer isso quando as pessoas estão trabalhando de casa, então o Zoom é ideal para este propósito”, diz o colunista.
“Conversei com muitos gerentes, e eles dizem que passam os dias em reuniões no Zoom.”
Portanto, para os gestores, essa ferramenta se expandiu para preencher o tempo disponível.
Parkinson não era um ativista, ele escreveu uma anedota que — como todas as boas piadas — era baseada em uma verdade que se torna mais verdadeira à medida que a burocracia cresce.
As instituições pareciam engraçadas para ele. Se você trabalha em uma, é preferível achar graça ou corre o risco de perder sua sanidade, ou até mesmo o emprego, se descobrir que sua vaga é uma daquelas criadas para outra pessoa ficar encarregada de supervisionar você, justificando o trabalho de um terceiro que foi promovido, porque o chefe queria um salário mais alto e…
Original na BBC
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