O banco de talentos X O cemitério de talentos
A administração pública federal criou em 2018 o seu banco de talentos, visando permitir uma visão integrada da sua força de trabalho. Ele é um ponto de partida interessante, à medida que transfere para o servidor a declaração das suas competências.
por Joel Solon Farias de Azevedo, CEO da ProValore
Ele tem como objetivos: a alocação adequada de servidores na formação de equipes de trabalho; a identificação de lacunas de competências como norteador para ações de desenvolvimento; e a identificação de potenciais gestores.
E lista os resultados esperados, que criticamos abaixo:
1. Visão integrada da capacidade da força de trabalho
Sim, terá a visão da disponibilidade de competências, mas se na outra ponta não houver o cruzamento com o requisito de competências do cargo ocupado pelo servidor para lhe indicar o seu plano de desenvolvimento, o resultado ficará comprometido.
2. Disponibilidade de uma ferramenta padronizada para a gestão eficaz de talentos
Idem acima e insuficiente, uma vez que a gestão de pessoas por competências se faz pela apuração da prontidão estratégica, no conceito definido por Kaplan e Norton no artigo Medindo a prontidão estratégica de ativos intangíveis, publicado na Harvard Business Review em 2004. A simples leitura do que dispomos é insuficiente. O que precisamos é saber onde falta e onde sobra, do maior nível, a organização, ao menor nível, o indivíduo.
3. Otimização de recursos, considerando a oferta de uma solução unificada de gestão de talentos que possa ser utilizada por todos os órgãos
4. Otimização da busca de perfis profissionais
5. Otimização dos processos de recrutamento e de seleção de pessoal
6. Motivação dos servidores públicos federais na busca por meios de desenvolvimento de suas competências
O banco de talentos funciona apenas como um inventário de competências quando não há o cruzamento com a avaliação de desenvolvimento que resulta no PDI – Plano de Desenvolvimento Individual – o norteador do desenvolvimento do servidor na trilha de desenvolvimento e na carreira – com foco não apenas no cargo atual, mas principalmente no atendimento das competências futuras requeridas na carreira.
O cemitério de talentos
Sim, é uma palavra forte, mas adequada ao serviço público brasileiro. Uma leitura interessantíssima e clara está no livro Mérito, Desempenho e Resultados: ensaios sobre gestão de pessoas para o setor público, organizado por Hélio Janny Teixeira, Ivani Maria Bassotti e Thiago Souza Santos.
Comecemos pela análise de Hamilton Coimbra Carvalho, no capítulo cinco do livro:
“Em diagnóstico publicado em 2012, o governo britânico constatou que seu serviço público é focado em meios e não em resultados e que sua cultura tende a ser burocrática, hierárquica e resistente à mudança (HM GOVERNMENT, 2012). Na administração pública, diz o relatório, há poucos incentivos para que os servidores busquem melhorias e inovações, e aqueles que o fazem colocam sua carreira em risco. Assim, o caminho natural para os servidores é a acomodação ao status quo.”
E aqui no Brasil? É diferente? Nada.
Lá, como aqui, a burocracia asfixia e mata a iniciativa e a inovação e consequentemente a motivação para o trabalho e para o desenvolvimento. E hoje, meu amigo, você fica obsoleto muito rapidamente, tal qual um produto, se não se atualizar.
Agora, some à tal burocracia:
– A descontinuidade administrativa e a deficiência no planejamento;
– O despreparo gerencial como regra, de pessoas colocadas nos cargos por critérios outros que não a capacidade gerencial e de liderança;
– Resultados não definidos ou mal definidos e foco no meio e nos procedimentos, apenas;
– Cultura fechada e orientação à não mudança, à estagnação e preservação de espaço e poder de quem chegou antes, onde ainda existe o conceito de antiguidade;
– Processos sofríveis, muito ruins e muito ineficientes, do tempo da máquina de escrever: físicos, no papel, para exigir assinatura e arquivamento e preservação de estruturas.
Porque cemitério?
O não aproveitamento dos valores diferenciados e o desperdício dos talentos atraídos pela condição de trabalho, estabilidade ou remuneração diferenciada que resultam na anulação ou perda, justamente daquelas pessoas que seriam capazes de fazer a diferença e tirar a organização da estagnação.
E os talentos? Ou simplesmente adoecem, ou vão embora, ou desistem de enfrentar o sistema, tornando-se mais um entre os comuns, se conformando com o nivelamento por baixo e com a mediocridade.
Até mesmo gênios se tornam apáticos, vencidos, esperando o tempo passar e quem sabe, um dia, aposentar.
É, o banco de talentos não resolve o problema.
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