6 Aspectos da cultura que sentenciam o sucesso ou o fracasso do seu programa de compliance
Neste artigo vamos tratar de um tema ainda pouco considerado ao se implementar Programas de Compliance no Brasil, que é o encaixe do programa aos aspectos das culturas nacionais. São abordados:
O que é Compliance;
O que a Cultura tem a ver com os Programas de Compliance;
As 6 dimensões das culturas nacionais segundo estudos de Geert Hofstede; e
Do que devemos cuidar ao implementar um Programa de Compliance no Brasil.
O que é Compliance?
Bem, quase todos já ouvimos algo como “…vem da língua inglesa, do verbo ’to comply’, que quer dizer…”
Outro dia, ouvindo a CBN, recebi um presente do professor e filósofo Mario Sergio Cortella. Em seu podcast diário Pensar Bem nos Faz Bem, Cortella contou ter encontrado uma ótima definição do que significa Compliance. E pasmem, vem do linguajar brasileiro caipira: “Estar nos conformes”. Lindo, não é? Ter tudo nos conformes é ter tudo em ordem, exatamente o espírito do que é Compliance para as organizações.
E o que a Cultura tem a ver com o Compliance?
Embora cada um de nós tenha o seu jeito de ser, modelado pelas nossas histórias de vida, personalidade e interesses, somos todos humanos e, portanto, temos algo em comum. Ao longo dos tempos, desenvolvemos formas diferenciadas para interagir, colaborar e competir, e a essa forma, comum de cada grupo, damos o nome de Cultura.
Devemos nos preocupar com a Cultura ao implementar Programas de Compliance? Leia o caso abaixo (caso real, personagens e locais mascarados) e tire suas próprias conclusões.
O que você faria se ninguém estivesse olhando?
Antônio é um executivo brasileiro de uma multinacional e estava em uma daquelas visitas à sede, na Alemanha, quando o tempo parece muito apertado para cumprir toda a agenda planejada pela matriz. Naquele dia não foi diferente. Esteve até mais tarde entrando e saindo de reuniões com diversos pares, locais e de outros países.
Ao deixar o escritório a noite já avançava. Em companhia de Sebastian, seu colega alemão, caminhava em direção ao hotel pelas ruas de Frankfurt aproveitando a amena temperatura da primavera na região de Hesse. Foi quando se depararam com um sinal para pedestres no vermelho.
Ao notar que nenhum veículo se aproximava, Antônio prosseguiu e iniciou a travessia da rua, mas só o suficiente para sentir um puxão no seu braço esquerdo. Virou-se então para Sebastian e bradou – deixa disso Seb (forma como tratava o colega alemão), não vem nenhum carro!
Com um sorriso leve e contido nos lábios, Sebastian apontou para um prédio de apartamentos em frente, do outro lado da rua, e questionou – e se uma criança estiver na janela nos observando?
Hofstede vem em nossa ajuda: “A nacionalidade condiciona a racionalidade! ”
Geert Hofstede, psicólogo holandês, foi o pioneiro no estudo da cultura das nações. Ele define Cultura como “a programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo de outros grupos “. Em seu livro “Culture’s Consequences: International Differences in Work-Related Values“, demonstra que existem traços culturais nacionais e regionais que afetam o comportamento não só das sociedades, mas também das organizações.
Veja a figura abaixo:
As 6 Dimensões das Culturas Nacionais, segundo Hofstede
Em seu trabalho original, em 1980, Hofstede apresentou o inovador conceito que chamou de Dimensões da Cultura: problemas básicos para os quais as diferentes sociedades nacionais desenvolveram diferentes respostas ao longo do tempo. Para tanto, usou como base de pesquisa a IBM, multinacional com escritórios em mais de 60 países. Foram então classificadas quatro dimensões culturais:
1. Distância do Poder (grande ou pequena);
2. Prevenção da Incerteza (forte ou fraca);
3. Individualismo ou Coletivismo; e
4. Masculinidade ou Feminilidade.
A partir de então, por meio da colaboração com outros pesquisadores que adotaram o conceito, duas novas dimensões culturais foram identificadas:
5. Orientação a Longo Prazo ou Curto Prazo; e
6. Indulgência ou Restrição.
A esse modelo de seis dimensões Hofstede deu o nome de 6-D Model©, e definiu uma escala de 0 a 100 para pontuar as características nacionais dominantes em cada uma delas.
Para se ter uma ideia de como podem ser comparativamente diferentes os comportamentos nacionais em relação às dimensões propostas pelo modelo, veja abaixo o gráfico comparativo do Brasil em relação a Alemanha.
Como Hofstede define as seis dimensões e como descreve o Brasil e a Alemanha em cada uma delas? Vamos embarcar nessa interessante leitura e acompanhar as diferenças entre o Brasil e a Alemanha? Embora a lembrança dos fatídicos 7 a 1 nos venha à mente, não se trata disso aqui, mas sim reconhecer as diferenças sem julga-las como boas ou más e trata-las ao implementar seu Programa de Compliance.
1. Distância do Poder: Brasil 69 x 35 Alemanha
Quanto maior a Distância do Poder, mais os membros menos poderosos de organizações e instituições (como a família) aceitam, e até esperam, que o poder seja distribuído desigualmente.
O Brasil reflete uma sociedade que acredita que a hierarquia deve ser respeitada e as desigualdades entre as pessoas é aceitável. A autoridade é centralizada e os brasileiros aceitam os privilégios que acompanham o poder. Nas empresas, há um chefe que assume total responsabilidade. Os símbolos de status do poder são muito importantes para indicar uma posição social e “comunicar” o respeito a ser demonstrado.
Altamente descentralizada e apoiada por uma classe média forte, não é surpreendente que a Alemanha figure entre os países com mais baixa Distância do Poder. Os direitos de cogestão são amplos e devem ser considerados pela administração. Um estilo de comunicação direto e participativo é comum, o controle é indesejável e a liderança é desafiada a demonstrar sua perícia, e é melhor aceita quando o faz.
Do que cuidar: Uma sociedade que acredita que a hierarquia deve ser respeitada e que a desigualdade entre as pessoas é aceitável é um prato cheio para que os líderes pensem que o Programa de Compliance pode ser flexibilizado para os níveis mais altos da “cadeia alimentar”. Por outro lado, como há um chefe que assume total responsabilidade, os liderados podem se colocar em posição de expectadores, e não fazer nada que não for explicitamente solicitado.
2. Individualismo: Brasil 38 x 67 Alemanha
Individualismo é a medida em que as pessoas se sentem independentes, em oposição a serem interdependentes, como membros de entidades maiores.
Individualismo não significa egoísmo, mas sim que se esperam escolhas e decisões individuais. E coletivismo não significa proximidade, mas que cada um “conhece o seu lugar” na vida, determinado socialmente. Usando uma metáfora da física, as pessoas em uma sociedade individualista são como os átomos de um gás e voam livremente, enquanto as sociedades coletivistas são como os átomos de um cristal, imobilizados.
O Brasil alcança 38 no em Individualismo, o que significa que nossa sociedade valoriza mais comportamentos coletivistas do que comportamentos individualistas. De fato, os brasileiros estão integrados em fortes grupos coesos, especialmente representados pela extensa família que continua protegendo seus membros em troca de respeito e lealdade. Nos negócios, é importante criar confiança mútua e relações de longo prazo. Os brasileiros fazem negócios com pessoas, não com empresas ou organizações. As reuniões costumam começar com assuntos gerais, como forma de se conhecer uns aos outros antes de fazer negócios
A sociedade alemã é realmente individualista. O círculo familiar é restrito ao relacionamento pais e filhos e comumente não inclui outros parentes. Há uma forte convicção no ideal da autorrealização. A lealdade baseia-se em preferências pessoais, bem como no senso do dever e da responsabilidade, definido no contrato entre empregador e empregado. A comunicação entre os alemães é uma das mais diretas em todo o mundo, seguindo o ideal “seja honesto, mesmo que magoe” – dando assim à outra parte uma oportunidade real de aprender com os erros.
Do que cuidar: Em sociedades coletivistas, como a brasileira, é importante criar confiança mútua por meio de relações de longo prazo entre os diversos níveis hierárquicos e subculturas da organização. Talvez aqui o velho adágio “a pressa é inimiga da perfeição”, se encaixe como uma luva.
3. Masculinidade: Brasil 49 x 66 Alemanha
Masculinidade é a medida em que o uso da força é endossado socialmente.
Em uma sociedade masculina espera-se que os homens sejam durões, vindos de Marte, enquanto as mulheres vêm de Vênus. Vencer é importante para ambos os gêneros. Quantidade importa e grande é bonito. Em uma sociedade feminina, os gêneros são emocionalmente próximos. Competir não é tão abertamente endossado, e há simpatia pelo perdedor.
Essa dimensão não se trata de indivíduos, mas sim de papéis de gênero emocionais esperados. As sociedades masculinas são muito mais abertas aos gêneros do que as sociedades femininas.
Com uma pontuação intermediária nesta dimensão, podemos seguramente afirmar que a cultura brasileira é ao mesmo tempo “dura” e “suave”. Os brasileiros valorizam a assertividade, competição e recompensas materiais para o sucesso, no mesmo nível em que valorizam a cooperação, o consenso e o estilo de vida. De fato, a sociedade brasileira tem um equilíbrio perfeito entre essas duas relações, mas ainda atribui maior valor às pessoas, qualidade de vida e educação. No Brasil, o modesto é percebido como virtuoso.
A Alemanha é considerada uma sociedade masculina. Desempenho é altamente valorizado e exigido desde cedo. O sistema escolar separa as crianças em diferentes tipos de escolas aos 10 anos de idade. Dos gestores espera-se decisão e assertividade. Status é frequentemente exibido, particularmente por meio de carros, relógios e dispositivos técnicos.
Do que cuidar: A cultura brasileira é ao mesmo masculina e feminina. Se o consenso de que a integridade é um valor organizacional for construído por meio de práticas lúdicas e educativas, talvez estejamos unindo o melhor das duas características.
4. Prevenção da incerteza: Brasil 76 x 65 Alemanha
Esta dimensão descreve como a sociedade lida com a incerteza e a ambiguidade.
A prevenção da incerteza não tem nada a ver com prevenção ao risco, ou seguir as regras. Tem a ver com a ansiedade e desconfiança diante do desconhecido e, inversamente, com o desejo de ter hábitos e rituais fixos, e conhecer a verdade.
O Brasil tem alta pontuação no índice de Prevenção da Incerteza. Isso significa que a sociedade brasileira mostra uma forte necessidade de regras e leis para estruturar a vida. Em todas as sociedades em que a prevenção de incerteza é alta, burocracia, leis e regras são muito importantes para tornar o mundo um lugar mais seguro para viver. Assim, os funcionários brasileiros adoram seguir diretrizes e regras precisas, ao invés de enfrentar situações desconhecidas.
A Alemanha está entre os países que mais demonstram preferência pela Prevenção da Incerteza. Na cultura alemã, como fruto do pensamento filosófico, há uma forte preferência por abordagens dedutivas e não indutivas, seja ao pensar, apresentar ou planejar. Dessa forma, a visão sistêmica deve ser dada para se prosseguir. Os detalhes são importantes para criar certeza de que um certo tópico ou projeto está bem pensado.
Do que cuidar: Vamos nos lembrar que Prevenção da Incerteza tem a ver com ambiguidade. Os brasileiros têm forte necessidade de regras e leis para estruturar a vida. Adicionando a isso a Distância do Poder (posição de expectador), adoram seguir diretrizes e regras precisas, ao invés de enfrentar situações desconhecidas. O programa tem que ser abrangente e bem planejado. O pecado aqui seria iniciar com algo não estruturado, pontual, e que não traga contexto.
5. Orientação a longo prazo: Brasil 44 x 83 Alemanha
A orientação a longo prazo trata da mudança.
Em uma cultura de longo prazo, a noção básica é que o mundo está em fluxo, e a preparação para o futuro é sempre necessária. Em uma cultura de curto prazo, o mundo é essencialmente como foi criado, de modo que o passado fornece uma bússola moral, e aderir a ela é moralmente bom.
O Brasil é mais considerado como uma sociedade normativa do que uma sociedade com uma abordagem pragmática, uma vez que os brasileiros preferem respeitar as tradições e as normas passadas do país, que contribuíram para a construção da identidade única do Brasil. Os brasileiros observam mudanças sociais com suspeitas, mas não são contra essas mudanças, principalmente os jovens, se forem benéficas para a sociedade.
A Alemanha é um país pragmático. Em sociedades com uma orientação pragmática, as pessoas acreditam que a verdade depende muito da situação, do contexto e do tempo, e mostram capacidade de facilmente adaptar tradições às novas condições. Há uma forte propensão a poupar e investir, e perseverança na obtenção de resultados.
Do que cuidar: Enquanto a sociedade brasileira como um todo observa mudanças com suspeitas, os mais jovens são mais facilmente convencidos de seus benefícios a longo prazo do que os mais velhos. O risco neste aspecto está na diversidade da força de trabalho. Se a demografia organizacional for diversa, o programa deve contemplar essa situação e balancear expectativas dos mais velhos, que tendem a ter uma visão de curto prazo, e dos mais jovens, que focarão em metas de longo prazo.
6. Indulgência: Brasil 59 x 40 Alemanha
A indulgência é sobre as coisas boas da vida.
Em uma cultura indulgente, é bom ser livre. Fazer o que seus impulsos querem que você faça é bom. Os amigos são importantes e a vida faz sentido. Em uma cultura restrita, o sentimento é que a vida é difícil, e o dever e não a liberdade, fazem parte do estado normal de ser.
A alta pontuação marca o Brasil como uma sociedade indulgente. As pessoas em sociedades deste tipo geralmente exibem vontade de realizar seus impulsos e desejos com respeito a aproveitar a vida e se divertir. Possuem uma atitude positiva e têm tendência ao otimismo. Além disso, colocam um maior grau de importância no tempo de lazer, agem como gostam e gastam dinheiro como desejam.
A baixa pontuação nesta dimensão indica que a cultura alemã é de natureza restrita. Sociedades com baixa pontuação nesta dimensão têm tendência ao cinismo e ao pessimismo. Além disso, em contraste com as sociedades indulgentes, as sociedades restritas não colocam muita ênfase no tempo de lazer e controlam a gratificação de seus desejos. As pessoas com essa orientação têm a percepção de que suas ações são restringidas pelas normas sociais e sentem que se forem condescendentes será algo errado.
Do que cuidar: Os brasileiros possuem uma atitude positiva e têm tendência ao otimismo. Logo, se o programa tiver uma conotação positiva e de que ajuda a construir um futuro melhor para cada um em particular, e para a organização e a sociedade como um todo, terá marcado um golaço.
Conclusão
Longe de prescrever sobre o que e como fazer, com base nos valores nacionais identificados nas seis dimensões do modelo de Hofstede, especulamos aqui sobre os riscos de navegar pelos mares da cultura brasileira ao implementar o Programa de Compliance.
A Lei 12.846/13 – Lei da Empresa Limpa, em vigor desde 29 de janeiro de 2014, regulamentada pelo Decreto 8.420/15, impõe às organizações que estabeleçam mecanismos de integridade (Compliance).
A Controladoria Geral da União – CGU, por meio do programa Empresa Pró Ética, esclarece o conceito de Programa de Integridade em consonância com a Lei nº 12.846/2013 e suas regulamentações e apresenta diretrizes para auxiliar as empresas a construir ou aperfeiçoar Programa dessa natureza. Em linhas gerais, as diretrizes seguem abaixo:
Comprometimento e apoio da alta direção;
Instância responsável pelo Programa de Integridade;
Análise de perfil e riscos;
Estruturação das regras e instrumentos;
Estratégias de monitoramento contínuo.
Naturalmente, em programas com tal abrangência, não são os aspectos da cultura nacional os únicos riscos, nem tampouco os mais importantes, para cada organização em particular. Entretanto, são aspectos que devem ser considerados para que a implementação do Programa de Compliance seja bem-sucedida.
Original de Jorge Secaf no LinkedIn Pulse
Referências
Geert Hofstede, Geert Jan Hofstede, Michael Minkov, Cultures and Organizations: Software of the Mind. Revised and Expanded 3rd Edition. New York: McGraw-Hill USA, 2010
Geert Hofstede, Culture’s Consequences: Comparing Values, Behaviors, Institutions, and Organizations Across Nations. Second Edition, Thousand Oaks CA: Sage Publications, 2001
Cursos relacionados:
Desenvolvimento Gerencial
Liderança e Gestão de Pessoas
Negociação e Gestão de Conflitos
Governança da Gestão de Pessoas
Dimensionamento da Força de Trabalho – DFT
Meritocracia e Reconhecimento
Gestão por Competências